Coletivo feminista classista “Rosas de Outubro”
Em 2016,
depois da repercussão do caso do estupro coletivo cometido contra uma
adolescente de 16 anos na Zona Oeste do Rio de Janeiro, milhares de mulheres e
homens se empenharam em debater a cultura do estupro colocada em nossa
sociedade.
Não deixaram
de aparecer também comentários machistas e deturpados desse crime, onde o
próprio delegado constrangeu a garota com comentários misóginos* e foi afastado
das investigações. *Misógino é um termo utilizado para se tratar do desprezo ou
ódio às mulheres, diretamente relacionado com a violência contra a mulher.
Esse tipo de
atitude, de culpar as vítimas pelas violências que sofrem, é naturalizada pela
sociedade que tenta mascarar a verdadeira face do machismo, como se homens
fossem estupradores em potencial que não conseguissem controlar seus impulsos
mais sórdidos, e as mulheres devessem ser responsabilizadas por isso.
As roupas que
usam ou os locais que frequentam jamais deveriam ser associados a casos de
violências como estes. Para se pensar de maneira bem simplista, recorreríamos
ao rebatimento que, mesmo as mulheres que andam de burcas e normalmente
acompanhadas, são também vítimas de estupros. As sociedades islâmicas, por
exemplo, têm o maior índice de estupro do mundo. Como se não bastasse, essas
mulheres ainda são criminalizadas pelas próprias violências e opressões que
sofrem.
Os estupros,
opressões, “cantadas” e objetificação do corpo da mulher têm a ver com MACHISMO.
Historicamente mulheres são inferiorizadas, e a divisão sexual opressora surge
com mais força através da propriedade privada, “justificada” pela questão da
herança dos filhos, onde as mulheres foram “cercadas” e marcadas junto às
propriedades e deveriam ser fiéis, obedientes e dominadas, enquanto os homens
só tinham o comprometimento da manutenção familiar, mas sua sexualidade sempre
pôde ser exercida livremente e como símbolo de sua “masculinidade”.
O capitalismo
soube se apropriar muito bem dessa ideologia, reforçando a divisão sexual
para poder tirar suas vantagens: primeiro, com a mulher servindo a seus
propósitos de reprodução da classe trabalhadora, onde elas mantinham a casa
organizada, os filhos “bem cuidados” e o marido satisfeito. Depois, quando viu
na mulher mais uma oportunidade de lucrar, incentivou sua inserção no mercado
de trabalho com salários mais baixos, vistos apenas como “complementar” à renda
do homem, em postos precarizados e bastantes definidos para “serviços
femininos” (como espaços de cuidados, setores alimentícios, de educação e
vestimentas).
Mesmo que
essa realidade vêm se modificando, pela própria luta das mulheres, é necessário
entendermos que, para uma mudança real, toda a estrutura social precisa ser
modificada. Por isso entendemos a urgência em se fazer o recorte de classe,
raça/etnia e sexualidade. O feminismo, para além da luta por direitos pontuais,
necessita ser classista, combativo e se colocar em conjunto às bandeiras de uma
nova ordem social.
O feminismo
classista não se limita à igualdade teórica entre os sexos, mas pela liberdade
das mulheres com o fim da propriedade privada e a divisão sexual do trabalho.
O sistema capitalista é essencialmente
patriarcal, onde os homens têm o domínio moral, social e político sobre as
mulheres, e precisa ser derrubado para derrotar as contradições existentes.
Nós, mulheres
lutadoras, vemos a necessidade de diferenciar as condições das trabalhadoras e
burguesas, e as particularidades das mesmas dentro da própria classe; na visão
coletiva contra o individualismo, idealismo, pós-moderno e liberal. Precisamos agregar
bandeiras contra o racismo, a LGBTfobia, xenofobia e demais preconceitos e
opressões, contra o capitalismo e as limitações dos movimentos reformistas.
As mulheres
trabalhadoras são as que mais sofrem com os abusos sexuais e morais no
trabalho, com trabalhos mais degradantes e precários com os menores salários,
com a falta de creches públicas e em horários que atendam suas demandas, perdem
sua infância e juventude cuidando de casa e filhos, são acometidas pela
violência doméstica, pelos relacionamentos abusivos em razão de dependência,
não conseguem se divorciar de maridos violentos, têm sua autoestima afetada
pela imposição estética e midiática, não têm políticas de lavanderias públicas
e são criminalizadas pelo aborto – práticas que, gostando ou não, ocorrem e matam
milhares de mulheres todos os anos, sendo assim, uma necessidade de saúde
pública e não de imposição pelas religiões. Esse quadro se agrava quando a mulher
é negra, de periferia, travesti, transgênero, transexual ou indígena.
Com essa
reflexão inicial, nós, mulheres francanas, trabalhadoras e estudantes, queremos
construir um movimento feminista de classe – que pense e atue sobre
necessidades básicas, direitos sociais e políticas públicas, mas na perspectiva
de desconstrução social e construção de uma nova ordem societária com o fim do
capitalismo que nos oprime, segrega, coloca umas contra as outras, mata,
corrompe, nos põe como objetos, assedia e aprisiona.
Se não for colocado o antagonismo de
classes, atacaremos minimamente os sintomas e não as causas das opressões, e a
única saída é a construção de uma sociedade sem classes – socialista.
Convidamos todas àquelas interessadas em
se organizar por demandas que não são minhas, mas são nossas, de todas e
todos, e internacionais, a se juntarem
nessa luta.